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Discurso de Sonia Mitralia na Conferência de Londres contra a Austeridade

 organizada pela Coalition of Resistence em 01-10-2011

Venho da Grécia – um país que está a ser sangrado e destruído por aqueles que pretensamente querem salvá-lo: o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia. Após a adopção, a aplicação e sobretudo... o falhanço dos quatro tratamentos de choque denominados Memoranda, e a aplicação actualmente do quinto, que é o mais duro e desumano, a Grécia já não é o país que conhecíamos. Agora as ruas ficam vazias depois do pôr-do-sol; os restaurantes esperam desesperadamente por clientes; e as lojas das ruas de comércio, desertas, caem na ruína. O porquê desta metamorfose é-nos revelado pelos números: os assalariados e os reformados já perderam 30-50%, ou mesmo mais, do seu poder de compra. Em consequência, cerca de 30% das lojas ou 35% das bombas de gasolina encerraram definitivamente. O desemprego atingirá provavelmente 30% no próximo ano. Teremos menos 40% de hospitais e de camas de hospital; o Estado grego encontra-se, desde há dias, incapacitado de fornecer os livros escolares aos alunos e por isso convida-os a fazerem fotocópias (!); etc. Em suma, já se vê a fome, sim, a fome, a entrar pelas grandes cidades, enquanto os suicídios se multiplicam, num país mergulhado no stress e no desespero...

No entanto, os Gregos não se limitam a desesperar. São também combativos, resistem, lutam – sobretudo após o aparecimento, em fins de Maio de 2011, do movimento dos Aganaktismeni, os Indignados gregos, que encheu as praças de centenas de cidades gregas com enormes multidões radicalizadas, tendo por palavras de ordem principais: «Não devemos nada, não vendemos nada, não pagamos nada». E «vão-se todos embora daqui»...

Mas atenção: resistir na Grécia na época da austeridade bárbara dos Memoranda não é coisa fácil. Primeiro, por causa da repressão, que é terrível, metódica, desumana. Depois, por causa do que está em jogo: a Grécia constitui actualmente um caso de teste mundial, um verdadeiro laboratório planetário no qual são testadas as capacidades de resistência dos povos contra os planos de ajustamento estrutural, nestes tempos de grande crise das dívidas públicas. Em suma, todos os olhares, tantos dos que espreitam do alto como dos que estão em baixo, se dirigem todos os dias para este pequeno país europeu que teve a triste sorte de se tornar a cobaia mundial do neoliberalismo mais cínico. Resulta daqui que, para conseguir levantar a mais pequena reivindicação, praticamente é necessário derrubar o poder e fazer, nada mais nada menos, a revolução!

A lição que tiramos desta situação totalmente inédita é que, hoje mais ainda que ontem, ninguém se pode considerar a salvo dentro das suas fronteiras nacionais. Face à Aliança Sagrada dos governos e dos poderosos, a coordenação e a organização de todas as redes de resistência dos oprimidos constitui uma condição sine qua non de toda a esperança de sucesso! Em palavras mais simples: para que o teste grego não se transforme numa bem sucedida prova dos nove a favor da Troïka, ou seja do FMI, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, é urgente que se unam esforços, que se faça uma Aliança Sagrada dos desvalidos!

Não é certamente por acaso que a primeira conferência internacional contra a dívida e as medidas de austeridade foi organizada em Atenas no início de Maio de 2011, pela Iniciativa Grega para uma Comissão de Auditoria da Dívida Pública, movimento do qual sou uma das fundadoras. O grande sucesso dessa primeira conferência internacional já nos tinha surpreendido agradavelmente mas, na realidade, ele era duplamente premonitório: primeiro, porque duas semanas mais tarde irromperia na cena social e política do país, ao ocupar a Praça Syntagma de Atenas, o movimento dos Indignados gregos; depois, porque se foi tornando cada vez mais claro não só que a questão da dívida pública está na raiz de todos os grandes problemas do nosso tempo, mas também que a mobilização independente em torno da exigência duma auditoria à dívida pública era mais que possível, pois correspondia a uma verdadeira vontade popular!

Creio que a lição que podemos tirar da experiência da Iniciativa Grega para uma Comissão de Auditoria da dívida pública, é que, neste momento, ela não só é válida para a Grécia, mas também para todos os outros países atacados pelos mercados financeiros, pela Troïka e pelo capital: a auditoria às dívidas públicas pode, à primeira vista, parecer uma actividade ingrata, pouco apetecível e reservada aos especialistas, mas na realidade ela é capaz de inspirar e até de mobilizar enormes massas, com duas condições: primeiro, deve ser totalmente independente das instituições e apoiada pelos cidadãos mobilizados nos seus bairros, nos seus locais de trabalho e de estudo; segundo, deve apontar claramente para a identificação da parte ilegítima da dívida, a fim de a anular, e não de a pagar!

Cinco meses depois da primeira conferência internacional de Atenas contra a dívida e as medidas de austeridade, podemos avaliar o caminho percorrido: a Iniciativa Grega está a gerar outras semelhantes por toda a Europa, a sul e a norte, a oeste e a leste. A tarefa que a todos nós impõe uma tal situação é manifesta: estes movimentos e estas campanhas em torno da auditoria à dívida pública devem rapidamente encontrar-se e constituir uma rede. Assim poderá tornar mais eficaz a sua acção e responder às expectativas das populações, antes que seja demasiado tarde para toda a gente...

É exactamente nesta tarefa que está empenhado o CADTM, o Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, do qual também sou membro, e que combina a experiência adquirida – fruto de 20 anos de lutas solidárias com os povos do Sul do Planeta – com a presença no terreno de luta em diversos países europeus. O contributo teórico e prático do CADTM no desenvolvimento do movimento contra a dívida e a austeridade na Grécia, e também noutros países, foi e continua a ser muito importante. Mas receio que para podermos responder aos novos desafios que nos foram lançados por uma situação de verdadeira guerra de morte entre ricos e pobres, seja preciso muito mais que o CADTM, que todas as redes internacionais que se batem com coragem contra a dívida e a austeridade. Serão precisas muito mais forças militantes, muito mais elaboração programática e sobretudo muito mais coordenação além-fronteiras nacionais.

Gostaria de terminar com uma questão que me é muito cara: a organização autónoma, ou melhor a auto-organização e a luta das mulheres contra a dívida e a austeridade. Se as mulheres são as primeiras vítimas da agressão neoliberal contra os salários e toda a sociedade, não é apenas por serem as primeiras a sofrerem os despedimentos em massa. É sobretudo porque o que constitui um pilar dessa agressão – a saber: a destruição e privatização dos serviços públicos – tem como consequência directa que as mulheres são obrigadas a assumir dentro da família as tarefas de utilidade pública que ainda ontem eram fornecidas pelo Estado. Em resumo, as mulheres são chamadas a garantir em casa, em privado, os serviços anteriormente garantidos pelos jardins públicos, os hospitais, os lares de terceira idade, os apoios aos desempregados, os asilos psiquiátricos, e até a segurança social. E tudo isto absolutamente grátis! Ainda por cima, tudo isto vem embrulhado na embalagem ideológica do regresso ao lar e à família, imposto por uma pretensa «natureza» da mulher aceite simplesmente como... o escravo obediente aos outros! Em suma, é o regresso ao patriarcado mais abjecto, ainda por cima combinado com um ataque frontal contra os escassos direitos que nos restam a nós, mulheres…

A minha conclusão é categórica: Aí está porque devem as mulheres organizar-se de forma autónoma para lutar contra a dívida e a austeridade. Se elas não o fizerem, ninguém poderá fazê-lo por elas...

Obrigada

 

Traduzido por Rui Viana Pereira